NAS ENTRELINHAS                                 


MUNDO DO TRABALHO

de Memélia Moreira

Terça-feira, Novembro 25, 2003

MDT241103

TRABALHADORES UNIDOS

A poderosa central sindical norte-americana AFL-SIO, que já teve entre seus ex-alunos, nos cursos que promove para sindicalistas da América Latina, o presidente do Brasil Luís Inácio Lula da Silva e conta com 30 milhões de filiados, deu mais uma demonstração de força em Miami, em 20 de novembro. Ela reuniu, durante o encontro da ALCA, metalúrgicos, professores, aposentados, caminhoneiros, médicos e mais outras dezenas de categorias, juntos num só grito “Chega de desemprego”. A ALCA, para os trabalhadores americanos, é sinônimo de desemprego em massa.
Comportados, com camisetas de cores diferentes para que as categorias se distinguissem entre si, eles circularam apenas nas áreas liberadas pela polícia de Miami que deu um espetáculo à parte.
“No way/ FTAA” (A ALCA não é o caminho”, que em inglês, rima) era a palavra de ordem dos sindicalistas comandados por John Sweeny, presidente desta central que nos últimos três meses deslocou dirigentes por todos os cantos dos Estados Unidos e da América Latina mobilizando para a Marcha Pacífica de Miami.
John Sweeny caprichou. Indiferente às críticas que o acusam de ser o pai de todos os pelegos, seu discurso foi quase um desafio à administração Bush. “Queremos respeito. Não aceitamos mercado livre que signifique desemprego e estamos confiantes porque a oposição popular já está dificultando as negociações da ALCA”, disse este homem que por onde passa também desperta olhares de admiração e respeito.
Sweeny sabe o quê está dizendo. A mobilização dos trabalhadores dos Estados Unidos e da América Latina não está passando despercebida pelo Congresso americano e, menos ainda pelos pré-candidatos do Partido Democrata que vão disputar as eleições presidenciais do próximo ano. Há um frisson no ar porque esses trabalhadores estão planejando lançar seu próprio candidato e, durante as manifestações de Miami já distribuiam adesivos com o nome de Gherpardt, o candidato virtual da AFL-SIO. E eles contam com essa força para barrar as negociações da ALCA no Capitólio que, em última análise é quem vai aprovar ou não o acordo feito por Robert Zoellick.
O discurso de Sweeny ecoou até na antes apática Igreja Católica americana. Ecoou também na Igreja Metodista e na principal sinagoga da cidade. Essas três igrejas abriram suas portas para os debates e grupos de trabalho organizados pelos movimentos sociais. O arcebispo de Miami, John Favalora, apoiou os protestos dizendo acreditar “que o direito dos trabalhadores devem ser protegidos” e foi ás ruas junto com os manifestantes.

SEGURANÇA

A marcha da AFL-SIO obedeceu todos os critérios estabelecidos pela prefeitura da cidade, que a pedido do chefe da polícia local, John Timoney, votou em 13 de novembro um regulamento para as manifestações. Assim, a marcha seguiu seu caminho por ruas desertas porque o comércio estava fechado e as aulas foram suspensas durante toda semana, carregou bandeiras pequenas e fez seu percurso de forma quase silenciosa. Não havia carros de som e as palavras de ordem mais ousadas eram as dos latino-americanos e também dos brasileiros que, num determinado momento, chegaram a repetir refrões popularizados durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, entre eles o “fora já”. Desta vez, era “Fora já, fora já daqui, o Bush e a ALCA eo FMI”
Além do rígido regulamento contra os manifestantes – que fora da marcha não podiam se aglomerar em mais de sete pessoas, sob pena de detenção – era proibido também andar com garrafas de água, lentes de metal e, obviamente armas.
A polícia de Miami testando novos equiopamentos fez sua parte de forma espetacular. Foram quatro helicópteros, dois tanques, 600 policiais de bicicleta, cem policiais montados, 200 da tropa de choque, além de centenas de outros à pé, carregando cada um 10 pares de algemas plásticas e um arsenal de bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e bomba de efeito moral. Além dessa segurança visível, atiradores se postaram no alto dos edifícios do centro da cidade, prontos para entrar em ação.
Todo este aparato tinha um alvo: “os garotos de Seattle”, como são conhecidos os adolescentes do movimento “Ação Direta” que em 1999, na cidade de Seattle, nos Estados Unidos, desencadearam o primeiro grande protesto de rua contra a globalização. Eles são filhos da cada dia mais pobre classe média americana, têm entre 16 a 26 anos, os mais jovens já terminaram ou estão terminando o segundo grau mas não podem cursar as universidades porque não têm recursos. E os mais velhos, que ainda chegaram a frequentar uma universidade desprestigiada, estão desempregados.
Eles não participaram da marcha organizada pela AFL-SIO. Quando o dia 20 amanheceu em Miami, promoveram sua primeira ação, tentando romper o alambrado que cercava o Hotel Intercontinental. Vestidos de preto, com bandanas coloridas cobrindo a metade do rosto, trancinhas rastafari ou longos cabelos, eles deram trabalho. Nesse primeiro choque do dia, o saldo foi de 12 presos e oito policiais feridos.
Durante a marcha dos sindicalistas, pacifistas, ambientalistas e outros movimentos sociais se encerrou e a polícia já relaxava, eles voltaram à cena. Dessa vez, com mais vontade. Por duas horas consecutivas, esses adolescentes desafiaram a segurança, furaram o cerco que proibia a entrada para a Biscayne Boulevard, principal avenida do centro da cidade, e foram recebidos com as balas de borracha, gás lacrimogêneo, bomba de efeito moral e muito cassetete. Não se intimidaram. Eles também usaram suas armas. Como numa Intifada ocidental, pegaram pedras, paus, pedaços de ferro e jogaram contra os policiais. No segundo round foram presos mais 140 adolescentes que prometem voltar às ruas em fevereiro, desta vez no México, na próxima etapa de negociações da ALCA.