NAS ENTRELINHAS                                 


NOSSA AMÉRICA

de Memélia Moreira

Terça-feira, Dezembro 16, 2003

UM CORONEL LADEIRA ABAIXO

A prisão de Humberto Cholango, presidente da Ecuarunari, a mais forte organização do Conselho Nacional Indígena do Equador (CONAIE), na noite de sábado, 13 de dezembro, em Quito, evidencia o racha que se estabeleceu entre o presidente do país, coronel Lucio Guterrez e os movimentos sociais que levaram este coronel ao governo. Lucio Guterrez, empossado em janeiro deste ano, vê seu prestígio descendo a ladeira e já vem enfrentando os primeiros movimentos de resistência contra seu governo. Não é para menos.
Cholango, índio do povo Kichua, dias antes de sua prisão declarou à imprensa que o presidente Guterrez já não conta mais com a confiança das organizações que apoiaram sua candidatura porque é “mentiroso, incapaz e incoerente”.
A crítica é apenas o reflexo da crise que se instalou no Equador logo depois da posse de Guterrez. Além da Ecuarunari, outras organizações já pregam abertamente a renúncia de Guterrez, na mesma intensidade em que pregavam a renúncia do ex-presidente equatoriano, Jamil Mahuad, derrubado numa rebelião popular.
Coronel do Exército que em janeiro de 2001 apoiou a rebelião comandada por líderes indígenas contra o presidente Jamil Mahuad, Guterrez fez sua campanha prometendo rever a política de seus antecessores que, entre outras decisões, dolarizaram a economia equatoriana, empobrecendo mais ainda o povo. Ao assumir, abandonou as bandeiras de campanha e, de imediato fez acordo com o Fundo Monetário Internacional, manteve a dolarização da moeda e, para completar, aderiu sem muita discussão ao projeto da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), nos moldes dos EUA. O Equador é um dos países que concordou com a proposta do secretário de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick de assinar acordos bilaterais de comércio.
Dias antes da prisão de Cholango, as forças policiais de Quito repremiram com uma violência brutal a marcha dos professores que exigem o cumprimento do acordo de reposição salarial, assinado pelo governo em julho passado, quando a União Nacional dos Educadores (UNE) entrou em greve. O acordo não foi cuumprido e os professores retomaram a greve desde a primeira quinzena de novembro, agora por tempo indeterminado. A marcha dos professores sobre Quito foi abortada porque Guterrez proibiu a entrada de ônibus na capital. A partir daí, as organizações sociais equatorianas declararam guerra aberta ao coronel.
Guterrez, que chegou a ser preso e em seguida expulso do Exército depois de aderir o movimento de janeiro de 2001, antes de se lançar candidato, e buscando apoio das organizações de esquerda da América Latina, esteve no Brasil. Numa conversa com um grupo de jornalistas declarou que seu país precisava de alguém para romper o ciclo de miséria imposta pela política neoliberal que domina o continente latino-americano. E se disse pronto a romper com este ciclo. Foi eleito ano passado e, menos de um ano depois da posse refaz o mesmo roteiro daqueles que o antecederam.
Se não bastasse esse desgaste político, o coronel Lucio Guterrez é também alvo de investigação. Suas contas bancárias estão sendo abertas porque o presidente é suspeito de enriquecimento irregular. Em outras palavras, Guterrez sucumbiu à praga de corrupção que contamina governantes latino-americanos.