NAS ENTRELINHAS                                 


NOSSA AMÉRICA

de Memélia Moreira

Terça-feira, Janeiro 13, 2004

TENSÃO EM MONTERREY

Tensão entre os governantes foi a principal característica da Cúpula das Américas realizada na aristocrática cidade de Monterrey, no México. Nos dias que antecederam o encontro que reuniu todos os dirigentes do continente americano, Washington elevou o tom das declarações contra os governos e presidentes da América Latina.
Contra Nestor Kirchner, da Argentina, o presidente norte-americano, George Bush, acostumado à subserviência dos antecessores de Kirchner, Carlos Menem e Fernando De La Rua, disse, num tom queixoso, que lamenta a guinada à esquerda de Kirchner. Seria cômico se não fosse ridículo. Dizer que Kirchner está virando à esquerda só teria sentido se a Argentina vivesse um processo revolucinário ou, no mínimo, que o presidente daquela país assumisse alguma atitude semelhante à de Hugo Chávez, presidente da Venezuela.
Hugo Chávez já é freguês das críticas de Washington. Volta e meia ele é comparado ao arquiinimigo Fidel Castro. Dessa vez, entretanto, a Casa Branca acusa o presidente venezuelano de alimentar e financiar os movimentos rebeldes que explodem no continente. Esquecem que estes movimentos têm caráter absolutamente popular de sociedades que chegaram ao limite e onde a maioria do povo vive abaixo da linha de miséria, exatamente porque segue as instruções ditadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional que, sem qualquer dissimulação, protege os interesses norte-americanos.
O novo no discurso é tentar intimidar um líder oposicionista e, além de tudo, um índio. Evo Morales perdeu as eleições presidenciais na Bolívia e assusta Washington porque concentra uma enorme capacidade de mobilização popular e a Bolívia viveu em outubro um momento signficativo, quando obrigou o presidente Gonzalo Sanchez de Lozada a renunciar. Lozada, também chamado de “Gringo” pelo povo bolioviano, cumpriu à risca o ideário da Casa Branca.
Quanto ao combate à corrupção no Brasil, até prova em contrário, o Governo de Luis Inácio Lula da Silva tem se comportado dentro dos parâmetros mínimos de honestidade, apesar dos deslizes da ministra da Ação Social, Bendita da Silva, que usou dinheiro público para compromissos particulares e passeios. E, se não me engano, Bush não é exatamente a pessoa mais apropriada para falar contra corrupção na casa alheia.
Além da guerra psicológica promovida por Washington, a Cúpula das Américas já estava previamente fadada à tensão porque muitos contenciosos esperavam os presidentes. O principal deles é a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) que os Estados Unidos quer ver funcionando ainda este ano mas vê sua proposta tomar o caminho da frustração porque Argentina, Venezuela e Brasil, os três mais ricos e insdustrializados países da América Latina ainda têm muitos pontos a discutir com os Estados Unidos antes da instalação desse mercado que vai favorecer única e exclusivamente os Estados Unidos. A Colômbia, o Chile, Equador e Bolívia concordam com a proposta norte-americana, mas o cacife apresentado por esses países que não têm petróleo nem grandes indústrias não satisfazem o apetite da Casa Branca.