Nenhures, 27 de abril de 2004
Já se passaram 20 anos daquela noite de 25 de abril de 1984, quando numa manobra na qual se envolveram o então PDS de José Sarney (hoje no PMDB) e o PMDB de Ulysses Guimarães, que morreria três anos depois da primeira eleição direta do Brasil pós ditadura militar, a emenda das eleições diretas foi derrotada no plenário da Câmara dos Deputados. Naquela noite, recebido ao som do hino nacional no restaurante Piantella, em Brasília, Ulysses Guimarães começava a traçar a estratégia que permitiu levar a chapa Tancredo Neves/José Sarney à presidência da República na última eleição indireta que fechou o ciclo ditatorial brasileiro. Estamos mais felizes com o voto direto que elege nossos representantes? Essa é uma pergunta de resposta complexa.
As multidões que foram às ruas se manifestar pelo direito do voto direto, universal, livre, jamais acreditariam, naquele ano de 1984 que quatro anos depois, ao eleger o presidente pelo sagrado voto popular, o Brasil viveria uma das mais dramáticas experiências da ainda incipiente democracia brasileira, expurgando, para sempre, o primeiro presidente eleito depois de mais de 20 anos de ditadura militar.
Fernando Collor, que carregava a aura de “príncipe’’, com sua vitória não só frustrou as esperanças de uma mudança com Lula, que então era o ‘‘cavaleiro dos sonhos” mas, ainda, escandalizou o País com seu voraz apetite corruptivo. Foi defenestrado por um impeachement, depois de desmantelar a máquina administrativa do país e iniciar um dos mais corrosivos processos de privatização do Ocidente. Seu vice, Itamar Franco, mal teve tempo de privatizar a Companhia Siderúrgica Nacional, preparar o terreno para o sucessor e ressuscitar o “Fusquinha”, um ícone da indústria automobilística brasileira.
A estratégia de Itamar para eleger seu sucessor foi a de obedecer o Fundo Monetário Internacional criando uma nova moeda, o real, equiparado ao dólar e que fez a classe média se deslumbrar brincando na conversão da URV para o real e lotando os aviões com destino a Miami, se sentindo dono de uma “moeda forte’’.
E o sucessor, Fernando Henrique Cardoso nem se esforçou tanto para vencer as eleições em 1994, quando a campanha pelas eleições diretas completava dez anos. Ele era o “herdeiro” do milagre da moeda forte. O cavaleiro dos sonhos mais uma vez perdeu as eleições. E logo no primeiro mandato, Fernando Henrique tratou de completar a obra inacabada de Fernando Collor, privatizando ainda mais o patrimônio brasileiro, com a venda da Companhia Vale do Rio Doce e, tal seu antecessor, colaborou para desmantelar a máquina administrativa, além de terceirizar o serviço público brasileiro.
Mesmo assim, Cardoso derrotou Lula mais ma vez em 1998 e fez um segundo mandato tão pífio e tão carregado de denúncias que sequer se animou para eleger o sucessor. O candidato de seu partido, José Serra (PSDB) não era herdeiro de nenhuma moeda, que a esta altura já perdera totalmente seu valor, não mereceu o apoio dos próprios companheiros de partido e, além de tudo, não tinha como explicar a falência de Fernando Henrique. Entrou derrotado nas eleições presidenciais de 2002.
Finalmente, em 2002, o cavaleiro dos sonhos, já calejado de outras campanhas, entra em campo como favorito e mantém a vantagem até o dia 27 de outubro quando, finalmente, vence as eleições, depois de três derrotas consecutivas.
O Brasil vibrou no dia primeiro de janeiro de 2003, quando o ex-metalúrgico Luis Inácio Lula da Silva, recebeu a faixa presidencial e, num velho Rolls-Royce, circuloou pela Esplanada dos Ministérios de Brasília, sob uma chuva fina e a veneração dos milhares de brasileiros que ali estavam, vindos de todos os cantos do país com a certeza que, enfim, a esperança vencera.
Ainda restam 978 dias para o cavaleiro dos sonhos dizer a que veio. Até agora, a esperança vai cedendo lugar ao desencanto e, em muito momentos, frustração total. Mas essas 23.472 horas que lhe restam de mandato são suficientes para que ele possa provar que é, de fato, o cavaleiro dos sonhos e não um clone fabricado em salas de marqueteiros.
Lula é o quarto presidente eleito depois daquele longínquo 25 de abril de 1984, quando as multidões vestidas com a cor amarela iam às praças acreditando que o voto seria a redenção da miséria social brasileira. Não foi. E, se aquelas multidões que foram às praças públicas pedir para votar chegarem à conclusão de que todos nós estávamos enganados, exigindo o fim de qualquer voto, talvez precisemos bem mais do que 20 anos para novamente tentar reconstruir uma democracia.
Memélia Moreira
Editora
Já se passaram 20 anos daquela noite de 25 de abril de 1984, quando numa manobra na qual se envolveram o então PDS de José Sarney (hoje no PMDB) e o PMDB de Ulysses Guimarães, que morreria três anos depois da primeira eleição direta do Brasil pós ditadura militar, a emenda das eleições diretas foi derrotada no plenário da Câmara dos Deputados. Naquela noite, recebido ao som do hino nacional no restaurante Piantella, em Brasília, Ulysses Guimarães começava a traçar a estratégia que permitiu levar a chapa Tancredo Neves/José Sarney à presidência da República na última eleição indireta que fechou o ciclo ditatorial brasileiro. Estamos mais felizes com o voto direto que elege nossos representantes? Essa é uma pergunta de resposta complexa.
As multidões que foram às ruas se manifestar pelo direito do voto direto, universal, livre, jamais acreditariam, naquele ano de 1984 que quatro anos depois, ao eleger o presidente pelo sagrado voto popular, o Brasil viveria uma das mais dramáticas experiências da ainda incipiente democracia brasileira, expurgando, para sempre, o primeiro presidente eleito depois de mais de 20 anos de ditadura militar.
Fernando Collor, que carregava a aura de “príncipe’’, com sua vitória não só frustrou as esperanças de uma mudança com Lula, que então era o ‘‘cavaleiro dos sonhos” mas, ainda, escandalizou o País com seu voraz apetite corruptivo. Foi defenestrado por um impeachement, depois de desmantelar a máquina administrativa do país e iniciar um dos mais corrosivos processos de privatização do Ocidente. Seu vice, Itamar Franco, mal teve tempo de privatizar a Companhia Siderúrgica Nacional, preparar o terreno para o sucessor e ressuscitar o “Fusquinha”, um ícone da indústria automobilística brasileira.
A estratégia de Itamar para eleger seu sucessor foi a de obedecer o Fundo Monetário Internacional criando uma nova moeda, o real, equiparado ao dólar e que fez a classe média se deslumbrar brincando na conversão da URV para o real e lotando os aviões com destino a Miami, se sentindo dono de uma “moeda forte’’.
E o sucessor, Fernando Henrique Cardoso nem se esforçou tanto para vencer as eleições em 1994, quando a campanha pelas eleições diretas completava dez anos. Ele era o “herdeiro” do milagre da moeda forte. O cavaleiro dos sonhos mais uma vez perdeu as eleições. E logo no primeiro mandato, Fernando Henrique tratou de completar a obra inacabada de Fernando Collor, privatizando ainda mais o patrimônio brasileiro, com a venda da Companhia Vale do Rio Doce e, tal seu antecessor, colaborou para desmantelar a máquina administrativa, além de terceirizar o serviço público brasileiro.
Mesmo assim, Cardoso derrotou Lula mais ma vez em 1998 e fez um segundo mandato tão pífio e tão carregado de denúncias que sequer se animou para eleger o sucessor. O candidato de seu partido, José Serra (PSDB) não era herdeiro de nenhuma moeda, que a esta altura já perdera totalmente seu valor, não mereceu o apoio dos próprios companheiros de partido e, além de tudo, não tinha como explicar a falência de Fernando Henrique. Entrou derrotado nas eleições presidenciais de 2002.
Finalmente, em 2002, o cavaleiro dos sonhos, já calejado de outras campanhas, entra em campo como favorito e mantém a vantagem até o dia 27 de outubro quando, finalmente, vence as eleições, depois de três derrotas consecutivas.
O Brasil vibrou no dia primeiro de janeiro de 2003, quando o ex-metalúrgico Luis Inácio Lula da Silva, recebeu a faixa presidencial e, num velho Rolls-Royce, circuloou pela Esplanada dos Ministérios de Brasília, sob uma chuva fina e a veneração dos milhares de brasileiros que ali estavam, vindos de todos os cantos do país com a certeza que, enfim, a esperança vencera.
Ainda restam 978 dias para o cavaleiro dos sonhos dizer a que veio. Até agora, a esperança vai cedendo lugar ao desencanto e, em muito momentos, frustração total. Mas essas 23.472 horas que lhe restam de mandato são suficientes para que ele possa provar que é, de fato, o cavaleiro dos sonhos e não um clone fabricado em salas de marqueteiros.
Lula é o quarto presidente eleito depois daquele longínquo 25 de abril de 1984, quando as multidões vestidas com a cor amarela iam às praças acreditando que o voto seria a redenção da miséria social brasileira. Não foi. E, se aquelas multidões que foram às praças públicas pedir para votar chegarem à conclusão de que todos nós estávamos enganados, exigindo o fim de qualquer voto, talvez precisemos bem mais do que 20 anos para novamente tentar reconstruir uma democracia.
Memélia Moreira
Editora
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