NAS ENTRELINHAS                                 


RESISTÊNCIA INDÍGENA

de Memélia Moreira

Tuesday, April 06, 2004

CRESCE A INTOLERÂNCIA ANTI-ÍNDIO

Memélia Moreira

Uma nova onda de intolerância cerca os povos indígenas do Brasil. De Roraima a Mato Grosso do Sul, as manifestações não deixam dúvidas de que os tradicionais inimigos dessas minorias se sentem fortalecidos pela inoperância e descaso do governo que, entre tantas falhas, adia a homologação da terra Indígena Raposa/Serra do Sol, enquanto manda recados pela imprensa de que desrespeitará os limites da demarcação em área contínua, de acordo com a portaria 820/98.
Enquanto patina nas pesquisas que apontam a queda de popularidade de seu governo, o president Luis Inácio Llula da Silva, em reunião no Palácio do Planalto no dia dez de março, comunicou ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que não vai homologar o território de Raposa tal como o previsto na demarcação para “não contrariar a vontade das instituições políticas locais e entidades empresariais de Roraima”.
E quem são os integrantes dessas “instituições políticas” citadas pelo presidente? Só para citar três, todos eles envolvidos em crimes de corrupção. O ex-governador do Estado, Neudo Campos, envolvido no escândalo dos gafanhotos (esquema que desviava recursos financeiros da folha de pagamento com a contratação de funcionários fantasmas), seu sucessor, Flamarion Portela, eleito em 2002 pelo PSL, filiando-se depois ao PT, partido do presidente da República e agora licenciado do Partido dos Trabalhadores. Flamarion foi denunciado ao Superior Tribunal de Justiça, na quinta-feira, 1º de abril, pela procuradora Cláudia Marques, por comandar o esquema dos gafanhotos. Portela fez uma verdeira excursão pelo Código Penal, incluído em três artigos da lei: 288 (formação de quadrilha), 312 (peculato) e 359-G (aumento irregular da folha de pagamento).
E, finalmente, o vice-líder do Governo no Senado, Romero Jucá Filho (PMDB). Desde segunda-feira, cinco de abril, o procurador geral da República, Cláudio Fontelles, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal, pedido de abertura de inquérito contra Jucá para investigar os indícios de sua participação no desvio de obras federais em Cantá (RR). O prejuízo a ser pago pelo povo brasileiro de mais essa falcatrua, ultrapassa os 20 milhões de reais.
Jucá já é freguês de denúncias de corrupção. No início dos anos 90, Fontelles, que cuidava da área criminal da Procuradoria Geral da República, denunciou o atual líder do Governo também por crime de corrupção. Jucá responde a 22 processos, entre eles, o de venda ilegal de madeira retirada de área indigena.
Esses são alguns dos representantes das “insituições políticas” que o presidente Lula respeita e, por isso, está pronto a prejudicar cerca de 15 mil índios de diferentes nações.
Quanto às entidades empresariais, Lula se refere a uma dezena de plantadores de arroz que se instalpui no território indígena depois da demarcação, para criar fato consumado e que, além de invadir um terra que é patrimônio da União, despeja toneladas de agrotóxicos, fato já denunciado por índios e seus aliados.
A escalada de intolerância também se espalhou pela imprensa, onde comentaristas de grandes jornais a cada dia soltam pequenas notas em colunas prestigiadas e outros que voltam ao surrado bordão de que homolgar territórios indpigenas em faixa de fronteira põe em risco a soberania nacional. Ridículo. O que põe em risco a soberania nacional é um banco governamental se tornar refém de uma empresa americana, tal como a Caixa Econômica Federal se tornou refém da empresa norte-americana Gtech (a do escândalo Waldomiro), segundo revelou o próprio presidente da Caixa, Eduardo Mattoso.
Ao contrário do que diz a camada racista da sociedade brasileira, a demarcação e homolagção de um território indígena é fator de segurança nacional porque a partir do ato de homologação, essa área torna-se, para sempre, patrimônio da União e não de particulares.
A moldura desse quadro de intolerância veio de onde menos se esperava. Exatamente do mundo acadêmico que, por dever e tradição, devem respeitar a pluralidade cultural brasileira e os direitos dos povos minoritários. Não foi o quê aconteceu.
Ainda em março, o antropólogo Luis Tarley de Aragão, da Universidade de Brasília, considerado centro de excelência na formação de antropólogos, numa palestra para os ruralistas de Mato Grosso do Sul, em Dourados, afirmou que “os índios não precisam de terra e sim de comida, educação, saúde e respeito”. E no pleno uso de sua consciência, para solucionar o problema fundiário nacional soltou essa pérola do racismo brasileiro: “O governo brasileiro tem que priorizar a terra para quem sabe o que fazer com ela”. Só faltou completar dizendo que os índios são preguiçosos e não sabem trabalhar a terra. A frase se compara a uma outra dita por um coronel que governou Roraima nos anos, 70, Fernando Ramos Pereira, “na minha opinião, uma terra rica com está não pode se dar o luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o desenvolvimento”. As duas se equivalem no ânimo de retirar dos índios o pouco de território que ainda lhes resta, principalmente em Mato Grosso do Sul, onde ruralistas se empenham numa luta feroz para tomar todas as terras indígenas.
Contestado por uma nota da Associação Brasileira de Antropologia, o mínimo que se pode dizer é que o professor Aragão é um homem de sorte.
Fosse essa palestra para um grupo de ruralistas em Tel-Aviv, no momento em que um povo dominado luta para manter a integridade de seu território usurpado pela exploração capitalista, certamente os palestinos responderiam de forma mais vigorosa a proposta de lhes tomar o território, dando-lhes em troca comida, educação, saúde e respeito. O primeiro sinal de respeito a um povo é a garantia de sua terra. O resto é apenas espasmos que um dia levaram um certo austríaco de triste memória a confinar judeus, ciganos e outros ‘‘inconvenientes” em campos de concentração.
É essa, em tese a proposta daqueles que defendem a redução territorial dos povos minoritários.
Fica apenas uma séria preocupação: que tipo de conhecimento este professor está transmitindo para as futuras gerações de antropólogos?