NAS ENTRELINHAS                                 


CARTA ABERTA

de Memélia Moreira

Segunda-feira, Maio 17, 2004

Nenhures, 18 de maio de 2004

L´ÉTAT C´EST MOI

Foi mais uma semana de total paralisia do Governo. Dessa vez, o país parou em defesa da honra do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Ele se sentiu ofendido, e com razão, porque um jornalista irresponsáve, do jornal ?New York Times? (que já teve seus dias de glória e hoje vive apenas do passado) o chamou de alcóolatra. Lula amargou o domingo dedicado ao dia das mães para buscar uma fórmula de se defender. Logo no primeiro dia da semana, reuniu seu alto comando para discutir a resposta adequada. Encontraram a pior de todas. Usando de um poder discricionário, mandou o insignificante ministro interino da Justiça, cassar o visto de trabalho do jornalista Larry Rohter. E Lula dizia ser esta decisão irrevogável. Felizmente, o verdadeiro ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, chegou em tempo de juntar os cacos e remendar um governo que a cada dia parece mais estilhaçado.
A revista ?Isto É?, para quem Lula concedeu entrevista dizendo que não voltaria atrás no seu gesto de autoritarismo, ainda nem foi embrulhar peixe e Lula já cancelou a medida que jogou o Brasil na lista dos países onde a liberdade de imprensa é violada. E aqueles que sairam em campo defendendo a medida (entre eles, e surpreendentemente, Cláudio Fontelles, o procurador geral da República), devem estar tentando mastigar para engolir suas próprias palavras que mais pareciam saídas dos fundos dos fétidos porões das ditaduras que dominaram a América Latina nas décadas de 60 e 70 do século passado.
Em todo o episódio, o que mais chamou atenção foi a arrogância de Luis Inácio. Para justificar a truculência do ato de expulsão, Lula disse que o jornalista ofendera o Brasil, as instituições, o estado, enfim. Em outras palavras, Lula repetiu, de forma menos explícita a frase de um dos Luíses de França. ?L´état c´est moi?. Pouco tempo depois, a turba, cansada da servidão em que vivia, varreu aquele estado e mudou totalmente o regime numa revolução que modernizou a França e sacudiu boa parte do mundo, abrindo espaço, inclusive, para a independência de algumas colônias européias na América. O Haiti é um dos exemplos.
Enquanto o Brasil se debatia em uma de suas piores ressacas, a sociedade ficou, mais uma vez, à margem de acontecimentos que podem mudar nossa história. Não para modernizá-la, tal como aconteceu na França de 1789, mas para um recuo, que pode até ser perigoso. E o perigo vem de onde menos se espera.
Na mesma semana em que Lula promovia sua manobra diversionista, alegrando aqueles que se satisfazem com medidas cosmetológicas de proclamação da soberania (afinal de contas, até parece um ato de extrema coragem enfrentar o Império, punindo um de seus cidadãos), o ministro da Defesa, José Viegas, apresentou na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara sua proposta de criação de uma força policial nacional. Viegas não ousou dar nome aos bois mas, essa força policial é conhecida pelo título de Guarda Nacional.
Ora, há um certo tempo os Estados Unidos vêm, ainda de forma discreta, tentando minar as Forças Armadas do continente latino-americano. Uma dessas tentativas é jogá-las para missões tais como o combate ao narcotráfico e o crime organizado. O nome Guarda Nacional foi usado várias vezes por diferentes autoridades militares norte-americanas, mas o projeto, até agora, nunca foi levado adiante por nenhuma autoridade brasileira. Eis que, no momento em que todos debatiam com quantas doses se faz um alcóolatra, o ministro da Defesa, que concordou com a proposta de levar as Forças Armadas para a aventura do combate ao crime organizado no Rio de Janeiro, como queria o general McCraffey, que esteve no Brasil acompanhando o ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, defende a criação dessa força policial nacional. Ela estará subordinada às Forças Armadas? Que recursos terá? Seus agentes serão bem pagos para escapar à tentação do suborno?
É preciso que tudo isso seja muito disctido pela sociedade. O Brasil tem forças policiais em número suficiente. Criar mais uma cheira a mais uma tentativa de se subordinar aos caprichos do Império e não tem expulsão de nenhum jornalista que consiga demopnstrar qualquer sinal de soberania.
Vamos ver qual vai ser a nossa dose da semana. Ela está começando turbinada com a votação da proposta de emenda constitucional que permite a reeleição para as mesas da Câmara e do Senado. Mas, quem sabe há uma reviravolta. Afinal de contas, a revista americana ?Newsweek? dessa semana diz que as dificuldades (ou trapalhadas) enfrentadas pelo governo de Luis Inácio da Silva são fruto de inexperiência. E agora? Será que Lula vai abrir fogo contra mais um jornalista? O que é pior: ser chamado de inexperiente (que em outras palavras pode ser traduzido por despreparado) ou alcóolatra? Para falar a verdade, pelo menos uma boa dose de cognac tem sabor, desde que não seja cognac "Presidente".

Saudações.
Memélia Moreira
Editora